Os 40 dias de oração que levaram milhões de pessoas na madrugada ao canal do YouTube de frei Gilson — e que acabaram transformando o clérigo em personagem no embate político entre direita e esquerda — chegaram ao fim no último sábado (19/04).
Em um evento presencial na arena da comunidade católica Canção Nova, no interior de São Paulo, o frade carmelita reuniu milhares de pessoas no encerramento da quaresma, o período de reflexão e penitência praticado pelos católicos entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Páscoa.
Frei Gilson prega na internet há pelo menos uma década e, nos últimos anos, se consolidou como uma das principais lideranças católicas do Brasil nas redes sociais. Há pouco mais de um mês, contudo, ele ganhou projeção ainda maior e furou a bolha católica ao virar objeto da polarização que divide conservadores e progressistas no país.
No início da quaresma, o trecho de uma pregação de 2024 em que o religioso criticava o “desejo de poder” das mulheres e afirmava que elas nasceram para serem “auxiliares” aos homens viralizou, provocando críticas da esquerda e ensejando a defesa de políticos de direita como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL).
Frei Gilson tinha então cerca de 7 milhões de seguidores no Instagram — 40 dias depois, esse número subiu para 9,2 milhões.
Por conta da polêmica e das lives às 4h da manhã que chegaram a reunir mais de um milhão de fiéis, ele se tornou o rosto mais conhecido de uma tendência que vai além da sua figura e segue ganhando fôlego no Brasil, o dos “clérigos influencers”.

Legenda da foto,Frei Gilson em evento de encerramento da quaresma: madrugadas de oração do rosário chegaram a reunir mais de um milhão de pessoas no YouTube
Depois do fenômeno dos padres cantores, que ganharam projeção nos anos 1990 com nomes como o de Marcelo Rossi e no início dos anos 2000 com figuras como Fábio de Melo, nos últimos anos as redes sociais forjaram um novo tipo de pároco midiático.
Eles pregam ao vivo pelo YouTube, em aplicativos de oração, evangelizam em podcasts, respondem a dúvidas dos fiéis nas caixinhas de perguntas do Instagram, vendem cursos online e fazem “publi”.
Os pioneiros foram os sacerdotes de viés mais conservador, que “perceberam que poderiam ter um público muito maior do que aquele determinado pelo bispo [que governa sua diocese]” para difundir as pautas que julgavam importantes, observa o historiador Víctor Gama, que pesquisa a direita dentro do catolicismo brasileiro.
O padre Paulo Ricardo, por exemplo, um dos pioneiros nesse sentido, há 13 anos subiu no YouTube um curso em seis episódios sobre “marxismo cultural” e sua suposta influência dentro da igreja (leia mais abaixo). Em seu site, ele diz que foi “foi profundamente influenciado por Olavo de Carvalho”, escritor apontado como um dos ideólogos do bolsonarismo.
Com o tempo — e o crescimento da audiência —, o conteúdo dos clérigos que ganharam visibilidade nas redes foi se diversificando.
“Uma vez que você alcança esse patamar de macroinfluenciador, você precisa jogar o jogo”, diz observa Moisés Sbardelotto, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e pesquisador da religiosidade no ambiente digital
A lógica do engajamento se impôs aos ele como a qualquer outro influenciador, acrescenta o especialista, que é coautor do livro Influenciadores Digitais Católicos: Efeitos e Perspectivas, lançado no ano ado.
Isso significou dar prioridade aos assuntos que mexem com “emoções fortes” — que alimentam ódio ou ressentimento, ele exemplifica —, ao bom humor e à teologia “coach”, como o pesquisador se refere à mistura entre religião e autoajuda que hoje faz sucesso em muitos desses perfis.
“Tem um certo paradoxo entre a fé e essas lógicas digitais”, comenta Sbardelotto. “Como ela sobrevive na sua autenticidade num ambiente que é pautado no fundo pelo lucro"> Canal do Whatsapp